Usados como suplementos alimentares por atletas,
antioxidantes podem ser inócuos para ganho de massa muscular, mas se mostraram
promissores no reparo da infertilidade por endometriose.
Em duas substâncias, muito usadas por esportistas como
suplemento alimentar, pode estar a resposta para um tipo de infertilidade
bastante comum, aquela causada pela endometriose. São a N-acetilcisteína
(medicamento para doenças respiratórias) e a L-carnitina, ou vitamina B11, que
é produzida em pequena quantidade pelo organismo humano e encontrada em vários
tipos de carnes, laticínios e alguns vegetais.
Com poderes antioxidantes já reconhecidos, as substâncias
surpreenderam pesquisadores do Setor de Reprodução Humana da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, ao promover o amadurecimento de
óvulos de bovinos em sistema de cultura in vitro que continha líquido folicular
de mulheres inférteis por endometriose.
Doença ginecológica que atinge aproximadamente 10% das
mulheres em idade reprodutiva, a endometriose caracteriza-se por uma
“menstruação retrógrada”, em que células da camada interna do útero
(endométrio) são lançadas, com o sangramento menstrual, para fora, na cavidade abdominal. As causas da doença ainda não estão completamente
esclarecidas. Sabe-se que a menstruação retrógrada é comum a 90% das mulheres,
mas nem por isso todas desenvolvem endometriose, e que, além de cólicas
intensas, a doença pode trazer infertilidade.
Os pesquisadores da FMRP vêm estudando a endometriose e
formas de tratar as principais queixas de quem sofre com a doença (dores
pélvicas e infertilidade). E foi ao estudar o fluido folicular dessas mulheres
que a pesquisadora Vanessa Silvestre Innocenti Giorgi encontrou no “estresse
oxidativo”, presente no fluido, a piora da qualidade do futuro óvulo.
O fluido folicular é uma mistura de plasma (parte líquida do
sangue) e secreção de células do ovário que ficam “no interior dos folículos
ovarianos em íntimo contato com o oócito (futuro óvulo) em desenvolvimento”. O
oócito, banhado por esse líquido cheio de nutrientes, cresce e amadurece dentro
do folículo ovariano (revestimento do óvulo).
Dentro das células, um sistema protege a estrutura celular
de efeitos prejudiciais como o causado pela presença do oxigênio. Os elétrons
das moléculas de oxigênio dão origem aos chamados radicais livres, que, quando
em excesso, provocam o estresse oxidativo, ruim para o organismo.
Os resultados não
deixaram dúvida. “As alterações oocitárias provocadas pelo fluido folicular de
mulheres com endometriose prejudicam o desenvolvimento embrionário in vitro.” O
que comprova a participação do estresse oxidativo nesse tipo de infertilidade.
E mais: mostraram a eficácia dos dois antioxidantes na prevenção desses danos.
Como os antioxidantes testados já são utilizados em
tratamentos médicos e de baixa toxicidade, para um futuro, talvez próximo,
Vanessa acredita que seu estudo auxilie no tratamento da infertilidade
provocada pela endometriose. “A suplementação por via oral com antioxidantes
poderia aumentar a chance de uma gestação natural no período de um ano, sem a
necessidade de realização de técnicas de reprodução assistida.”
Radicais livres impedem maturação dos óvulos
Conta Vanessa que trabalhos anteriores do grupo de pesquisa
ao qual pertence já haviam observado alterações no desenvolvimento de óvulos
bovinos em presença de líquido folicular de inférteis por endometriose. E que
as suspeitas recaíam no “estresse oxidativo, que é o desequilíbrio entre a
produção de radicais livres e de antioxidantes”, já que o fluido apresentava
“aumento de alguns radicais livres e diminuição da capacidade antioxidante
total”.
Para confirmar a tese dos efeitos maléficos do estresse oxidativo
nos fluidos foliculares, a pesquisadora realizou testes com material recolhido
de 22 mulheres com infertilidade: 11 por endometriose e 11 sem endometriose
(inférteis por problemas nas tubas uterinas). O líquido folicular e os dois
antioxidantes – N-acetilcisteína e L-carnitina – foram acrescentados ao meio de
maturação in vitro, após fertilização também in vitro (em laboratório) de
oócitos de bovinos.
Tratamento natural da infertilidade
“Nossos achados elucidam parte dos mecanismos patogênicos
envolvidos na infertilidade associada à endometriose”, comemora Vanessa. O
outro achado, que complementa este, também é bem-vindo, uma vez que abre
perspectivas para a possibilidade de uso da carnitina – o antioxidante que se
mostrou mais eficiente neste estudo – na melhora da infertilidade natural
desses casos.
A pesquisadora lembra que são resultados importantes, mas
laboratoriais, ainda não testados na prática clínica. O uso do modelo bovino,
conta Vanessa, se dá por ser similar ao humano (que eticamente não deve ser
utilizado em pesquisas), além de ser de baixo custo e de fácil manipulação.
As duas substâncias antioxidantes podem não ter comprovação
científica dos efeitos na performance física e ganho muscular dos praticantes
de atividade física. Mas como reparador da fertilidade de mulheres com
endometriose começam a ganhar respaldo nas pesquisas da equipe da FMRP.
Nesse caminho, Vanessa continua as investigações nos laboratórios
do Setor de Reprodução Humana da FMRP. A pesquisadora trabalha agora em seu
doutorado com orientação da professora da FMRP, Paula Andrea de Albuquerque
Salles Navarro.
Os achados mais recentes deste estudo estão publicados na
edição de março de 2016 da revista norte-americana Reproductive Science. O
trabalho já recebeu quatro prêmios, três nacionais – Prêmio Campos da Paz,
conferido pelo 26º. Congresso Brasileiro de Reprodução Humana (2014); melhor
pôster no 19º. Congresso Brasileiro de Reprodução Assistida (2015) e menção
honrosa no 27º. Congresso Brasileiro de Reprodução Humana (2016) – e um
internacional – incentivo financeiro no Congresso da Sociedade Americana de
Medicina Reprodutiva (2015 – Baltimore, MA, EUA).
Comentário de André Silverio: A endometriose é uma doença
benigna, que se caracteriza pela proliferação do tecido chamado endométrio para
fora da cavidade uterina, local em que ele normalmente se desenvolve. O
crescimento do endométrio faz parte do ciclo reprodutivo da mulher. Ao longo
desse período, o tecido cresce, e quando não ocorre gravidez ele é eliminado em
forma de menstruação. Entretanto, em algumas mulheres algumas células desse
tecido migram no sentido oposto, podendo subir pelas tubas e chegar à cavidade
abdominal, multiplicando-se e provocando a endometriose. A doença acomete
mulheres a partir da primeira menstruação e pode se estender até a última.
Geralmente, o diagnóstico acontece quando a paciente está na faixa dos 30 anos.
No entanto, as causas são desconhecidas, mas sabe-se que a doença tem uma base
genética. O consumo de álcool e cafeína aumentam o risco do quadro. Entre os
sintomas mais comuns estão: Cólicas menstruais intensas e dor durante a
menstruação, Dor pré-menstrual, Dor durante as relações sexuais, Dor difusa ou
crônica na região pélvica, Fadiga crônica e exaustão, Sangramento menstrual
intenso ou irregular, Alterações intestinais ou urinárias durante a menstruação
e Dificuldade para engravidar e infertilidade. Com esta descoberta, as mulheres
com infertilidade de causa endometrial vão poder engravidar de forma natural,
visto que o mesmo só acontece por fertilizaçao in vitro.
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