Não
é uma incubadora. É um útero artificial externo, uma espécie de saco que imita
o ambiente uterino com as trocas de fluidos essenciais para a gravidez.
Chamam-lhe Biobag. E, para já, não é uma tecnologia que possa ser
usada com seres humanos. O que a equipa de cientistas do Hospital Pediátrico de
Filadélfia, nos EUA, conseguiu fazer foi manter o desenvolvimento de cinco
cordeiros extremamente prematuros, numa fase de gestação equivalente às 23 ou
24 semanas de um feto humano, durante quatro semanas recorrendo a um sistema
artificial. Os resultados do estudo pré-clínico são relatados num artigo na
revista Nature Communications.
A
eventual aplicação clínica do sistema usado com fetos do cordeiro ainda deverá
demorar entre uma década (na perspectiva mais optimista dos investigadores que
o desenvolveram) ou duas (na opinião de especialistas que não participaram
neste trabalho). Ainda assim, uns e outros concordam que este é um importante
passo na área neonatal, até porque as tentativas feitas até hoje não tinham
conseguido manter por mais de dois ou três dias os fetos de animais vivos.
Desta vez, os cientistas conseguiram não só manter os fetos de cordeiros vivos,
como descrevem que estes “bebés” se desenvolveram normalmente durante 28 dias
(670 horas).
“O
nosso sistema poderia evitar a grave morbilidade que afecta os bebés
extremamente prematuros, oferecendo uma tecnologia médica que não existe
actualmente”, refere Alan W. Flake, cirurgião fetal e principal autor do
estudo, num comunicado do Hospital Pediátrico de Filadélfia. O plano é adaptar
este sistema testado em cordeiros para uso clínico tornando-o uma nova “ponte”
entre o útero da mãe e mundo exterior, que poderá ser usada para bebés
extremamente prematuros (antes das 27 semanas de gestação). Assim, a ideia é
usar este “útero” artificial durante um período de quatro semanas (permitindo
levar o bebé com umas muito frágeis 23 ou 24 semanas até às 28 semanas, que já
representam menos riscos), adiando o recurso a uma incubadora com ventiladores.
A equipa não pretende que o sistema seja usado antes das 23 semanas, uma vez
que isso colocaria “riscos inaceitáveis”.
O
sistema do Biobag consiste num saco de película de polietileno
(plástico), cheio com fluido (um líquido amniótico) e que incorpora um circuito
de oxigénio através de uma interface de cordão umbilical, que imita o ambiente
intra-uterino.
Os fetos de cordeiro cresceram num ambiente com temperatura
controlada, respirando o líquido amniótico como fariam se estivessem no útero,
com os seus corações a bombear o sangue através do cordão umbilical para uma
máquina situada no exterior do saco, que substitui a placenta, permitindo a troca
de dióxido de carbono e oxigénio.
“Os
cordeiros mostraram uma respiração normal e a capacidade de engolir, abriram os
olhos, desenvolveram lã, tornaram-se mais activos, e tiveram um desenvolvimento
normal, funções neurológicas e maturação dos órgãos”, resume o comunicado. No
artigo há um quadro que resume os resultados das experiências feitas durante
três anos e que envolveram vários protótipos. Na lista estão alguns dos
problemas registados, desde inflamações pulmonares provocadas por bactérias no
líquido amniótico a hemorragias e complicações gastrointestinais. Em cinco
animais dentro do Biobag não houve nenhuma complicação durante
a incubação.
O
resumo feito pela Nature Communications sobre o artigo nota
que nada foi publicado sobre o desenvolvimento destes cordeiros após este
período especial de incubação. “Portanto, este estudo carece de dados sobre o
efeito dessa incubação a longo prazo”, assinala-se. Mas refere-se também que
este estudo conseguiu uma sobrevivência prolongada dos fetos, quando comparado
com as tecnologias testadas antes. E acrescenta-se: “Mais importante ainda,
estes animais mantiveram uma fisiologia fetal normal, o que nunca foi
conseguido antes fora do útero.”
O que falta para uso clínico?
Com
estes resultados, o que falta então para avançar para o uso clínico? Muita
coisa ainda. Os próprios autores do estudo admitem que é preciso esperar para
adaptar o sistema a um feto humano. Entre outras especificidades, é preciso
adaptá-lo ao tamanho de um extremo prematuro humano, que será cerca de um terço
de um cordeiro na mesma fase gestacional.
Será
também necessário desenvolver um outro sistema com diferentes ligações, já que
a via do cordão umbilical para ligar o equipamento ao feto tal como foi experimentada
nos cordeiros não será possível num humano. A composição de um líquido
amniótico ideal para um feto humano é outro dos terrenos que terá de ser
explorado.
A
equipa de cientistas que desenvolveu este protótipo admite que são necessárias
várias adaptações que poderão demorar cerca de uma década. Mas acredita também
que, se isso for feito, existirá um “sistema muito superior aos que são
actualmente usados nos hospitais para fetos extremamente prematuros com 23 ou
24 semanas de gestação” e que poderá “estabelecer um novo padrão de cuidados”
para estes bebés.
Colin
Duncan, professor de medicina reprodutiva da Universidade de Edimburgo, no
Reino Unido, comentou esta possível nova abordagem na saúde neonatal. “É um
conceito verdadeiramente atractivo e um importante passo em frente, mas ainda
há muitos desafios para refinar esta técnica, para conseguir resultados mais
consistentes e comparar os seus efeitos com as estratégias de cuidados
neonatais usadas hoje”, refere, em declarações à Science Media Center. Colin
Duncan lembra que outros tratamentos (como injecções de esteróides a mulheres
grávidas em risco de um parto prematuro) demoraram 20 anos até chegar à prática
clínica.
Segundo
os dados mais recentes, todos os dias nascem em média 17 bebés prematuros em
Portugal, que representam quase 8% do total de nascimentos. A classificação da
prematuridade pode ser feita segundo a idade gestacional e divide-se em bebé de
“pré-termo” (entre as 33 e as 36 semanas), prematuro moderado (entre as 28 e 32
semanas) e prematuro extremo (antes das 28 semanas de idade). Actualmente, os
casos de pequenos sobreviventes que nasceram após apenas 24 semanas de gestação
continuam a ser difíceis, mas já não são milagres, podendo ser considerados
viáveis. Porém, as sequelas desta prematura saída do ambiente uterino são
imprevisíveis. Quando este parto prematuro acontece, os muito frágeis bebés,
por vezes com pouco mais de meio quilo, são colocados em incubadoras, ligados a
ventiladores em unidades de cuidados intensivos. E é aí que se espera hoje que
continuem a crescer.
Fonte: https://www.publico.pt/2017/04/26/ciencia/noticia/seis-fetos-de-cordeiros-prematuros-cresceram-dentro-de-um-saco-que-imita-um-utero-1769921
Comentário de Ana Silveira: Em Portugal, nascem por dia cerca de 17 bebés prematuros. O nível de prematuridade depende do número de semanas do bebé e, nos casos mais graves pode ser inferior a 28 semanas de idade. Embora difícil há alguns que conseguem sobreviver com recurso a incubadoras e cuidados acrescidos. No entanto, devido a estas incubadoras ainda não apresentarem um ambiente completamente semelhante ao do útero materno as sequelas estão quase sempre presentes.
Por isso, o desenvolvimento de um saco que imita o útero (mesmo que ainda só tenha sido testado em modelo animal) pode vir a ser uma solução promissora para o futuro visto que, ao apresentar um ambiente semelhante ao do útero poderá vir a diminuir as sequelas em bebés prematuros.
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