«Dizem que é aqui que a ciência encontra o conhecimento. Citam
Einstein, num vídeo publicado no YouTube, para dizer que a informação
não é conhecimento. É preciso partilhá-lo. Querem divulgar ciência de
uma forma totalmente livre e gratuita. Na gíria científica, defendem o
que se chama de Diamond Open Access, um modelo onde a ciência é encarada
com um bem comum assente no livre acesso sem custos para o autor do
artigo científico ou para o leitor. Pedem o que melhor se faz no Porto,
em Portugal e no resto do mundo. Estão abertos a conteúdos de
biomedicina, ou seja, da medicina à bioengenharia, passando pela
genética e outros. Apostam na internacionalização. Para já, o que têm
nas mãos é um primeiro número cheio de ambição da revista científica
Porto Biomedical Journal (PBJ), que é apresentada esta sexta-feira, na
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
É
demasiado cedo para adivinhar o sucesso ou fracasso da PBJ. É também
excessivo e prematuro depositar aqui expectativas do tamanho imensurável
de uma cura para o cancro. Mas este parece ser o tamanho de o
entusiasmo de João Madureira, um dos elementos da Associação de
Estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que é
responsável por este projecto e que, para já, arranca com o apoio da
direcção desta faculdade e da administração do Centro Hospitalar de São
João.
A Porto Biomedical Journal é uma revista online, bimensal,
associada à célebre editora científica Elsevier, aberta a todos os
investigadores da área da biomedicina, independentemente da sua origem. O
único critério para a publicação de artigos é a sua qualidade,
assegurada por um painel internacional de peritos de várias áreas.
Excepcionalmente, o primeiro número terá uma edição impressa de 7500
exemplares, uma versão em papel que só será repetida por motivos de
força maior.
Nesta “nova plataforma para partilhar ciência” só se
fala e escreve em inglês. O quadro editorial tem nomes conhecidos da
“praça médica e científica”, desde o actual secretário de Estado Adjunto
da Saúde e médico no Hospital de São João, Fernando Araújo, até ao
jovem investigador Tiago Reis Marques, a trabalhar no Reino Unido. No
total são 75 editores portugueses e estrangeiros “de topo” que trabalham
em 20 países. Se o mundo está representado, o país também está com
peritos de várias áreas das universidades de Coimbra, Lisboa, Aveiro,
Minho. E Porto, claro. O conselho consultivo tem também uma lista de
personalidades de reconhecido mérito nesta comunidade, entre os quais o
incontornável investigador Sobrinho Simões, a cientista Maria do Carmo
Fonseca ou o epidemiologista Henrique Barros, que durante alguns anos
esteve à frente da Comissão Nacional de Luta contra a Sida, entre
outros.
João Madureira é o ilustre jovem desconhecido que surge
no cargo de director-executivo da PBJ. Nascido em 1992, este estudante
do 6.º ano de medicina vai agora ser o responsável pelo arquivo da
desactualizada publicação Arquivos de Medicina, que a faculdade e o
centro hospitalar publicavam desde 1987, ainda João Madureira não era
gente. Aliás, esta será terceira geração de uma publicação da FMUP,
tendo em conta que os Arquivos de Medicina vieram, por sua vez,
substituir os Arquivos de Clínica Médica iniciados em 1925.
“O
paradigma da comunicação da ciência evoluiu muito. Temos a Internet,
temos acesso a revistas com edições ‘online’ de outros países, temos
novas e melhoras formas de comunicar ciência e a Arquivos de Medicina
não acompanhou esta evolução e estava em declínio”, constata o
director-executivo, recordando que a PBJ começou a ser lançada no final
de 2014. “O que temos agora é uma publicação científica de qualidade com
potencial de internacionalização”, garante, argumentando que não lhe
faltará matéria-prima de excelente qualidade num nível mais local (com o
pólo de ciência da saúde no Porto, com o Instituto de Investigação e
Inovação em Saúde, ou I3S, entre outros) mas também a nível nacional. E
internacional, claro.
Quanto ao nome da revista, João Madureira
faz questão de sublinhar que Porto é o nome de uma cidade mas também é
uma palavra que remete para um local de chegada, “um porto de encontro”.
No total, a equipa que assegura a PBJ conta com 12 alunos de medicina
que recorreram a vários especialistas para desenhar a edição online, o
grafismo da edição impressa ou para fazer o vídeo apelativo que já foi
publicado no YouTube sobre a revista. Não querem ser só “mais uma
revista”.
E há algumas. É difícil perceber precisamente quantas
porque não existe em Portugal nenhuma base de dados oficial. “Já
tentámos fazer esse trabalho e em 2012 apresentámos alguns dados, mas
não sabemos quantas existem hoje”, admite Eloy Rodrigues, director dos
Serviços de Documentação na Universidade do Minho. Antes de mais, Eloy
Rodrigues dá as boas-vindas ao novo projecto e adivinha um percurso
difícil não tanto pela “concorrência” mas mais pelo percurso que é
necessário até a afirmação do projecto.
Mas vamos primeiro à
concorrência: segundo Eloy Rodrigues, se tivermos em conta os números da
UlrichsWeb (uma das bases de dados reconhecidas nesta área), em 2012
existiam em Portugal 45 revistas científicas ou académicas com acesso
aberto e revisão científica pelos pares, uma forma de garantir a
qualidade. A mesma fonte aponta para a existência nesta altura de 410
publicações sem revisão científica. O número tem vindo a crescer.
O director do Serviços de Documentação da Universidade do Minho adianta
ainda que o Directory of Open Access Journals (que reúne informação de
milhares de revistas de acesso aberto em todo o mundo) refere a
existência de 93 publicações científicas em Portugal, dez delas na área
da medicina. Uma é a conhecida Acta Médica Portuguesa, editada online
pela Ordem dos Médicos (OM). “Precisamos mais ainda. Quantas mais
melhor”, reage o bastonário da OM, José Manuel Silva, recusando a
encarar a PBJ como concorrência. E sobre estes novos tempos que trazem
novos projectos, o médico faz questão de adiantar que também a Acta
Médica está a preparar algumas mudanças, devendo passar de seis edições
por ano para uma periodicidade mensal e a ter uma tiragem reduzida
(cerca de 5000 exemplares) em papel.
À procura de impacto
Mas
há algo importante que a Acta Médica – e também a revista da Sociedade
Portuguesa de Pneumologia – já tem, que é o que se chama um “factor de
impacto”. E aqui entramos no campo do tal percurso de afirmação.
Para já, a PBJ não tem qualquer factor de impacto. O que é isso? De
forma simples, é o “valor” atribuído a uma revista tendo em conta um
cálculo feito a partir do número de citações que os artigos publicados
conseguem obter noutros artigos científicos. Algo que demora anos a
conseguir. A Science e a Nature, por exemplo, registaram na edição de
2014 do Journal Citation Report um factor de impacto de 33,61 e 41,456,
respectivamente.
Continuando num exercício de comparação – apesar
de já ter conquistado um factor de impacto, o que por si só é meritório
–, a Acta Médica não chega ao 1 e a Revista Portuguesa de Pneumologia
tem 1,167.
Mas afinal para que é que isso importa? Quer em termos
de currículo quer mais como um meio de ter poder negocial na obtenção
de financiamento, importa saber se os investigadores publicaram em
revistas com um factor de impacto elevado. E, por isso, é nessas que
eles querem publicar. O que necessariamente cria um circuito muito
fechado e um problema de pescadinha de rabo na boca. Como então
convencer um investigador a publicar um artigo importante na PBJ, que,
para já, não tem qualquer factor de impacto para dar como “valor
acrescentado” ao autor? E, já agora, como é que a PBJ consegue
conquistar um factor de impacto se não tiver artigos relevantes e
“citáveis”?
“Vamos ter de confiar no poder da estratégia do nosso
valioso corpo editorial. Tal como estes especialistas foram convidados a
integrar este projecto, agora eles vão convencer os seus colegas que
estão envolvidos em trabalhos muito relevantes a publicar nesta
revista”, acredita o editor-chefe da PBJ, André Moreira, que é professor
da FMUP.
É na página do corpo editorial da revista que está o
principal trunfo desta publicação, defende André Moreira, que espera, no
prazo de quatro anos, chegar a um factor de impacto mensurável na ordem
dos 0,5. Todos os artigos, confirma, são revistos por três editores ou
revisores num processo “duplamente cego” em que o revisor não sabe quem
escreveu o artigo e o autor não sabe quem faz a revisão.
Mas esta
não é a única ambição da PBJ. Uma das grandes conquistas será conseguir
que seja aceite a candidatura da indexação à PubMed/Medline (da
Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos) e à SciELO
(biblioteca científica online criada no Brasil), juntando-se às que já
conseguiram junto da Science Direct e da Scopus (ambas da Elsevier) e
que garantem que os artigos publicados são disponibilizados e
partilhados nestas bases de dados mundiais.
Além disso, André
Moreira está consciente de que “ficar preso à ideia de um projecto
regional do Porto” é um risco mas é também um desafio. Nem sequer querem
ser apenas nacionais, o objectivo é mesmo, insiste o editor-chefe, a
internacionalização. E, mais uma vez, exibe o trunfo da PBJ apontando
para o quadro editorial da revista com representantes de várias áreas e
de vários países. “Queremos que cada número seja o mais representativo
possível de áreas geográficas e temas tratados”, refere.
Com o 1º
número da PBJ ficamos a saber mais sobre a perigosa relação entre a
infecção pela bactéria Helicobacter pylori e o cancro gástrico, sobre o
uso de probióticos no controlo da obesidade, sobre o papel dos metais
pesados no desenvolvimento do carcinoma renal, sobre uma variante
genética associada à perda auditiva, sobre o comportamento
obsessivo-compulsivo como moderador em casos de depressão e ansiedade e
ainda sobre a plataforma de “software” para análise de informação médica
chamada HVITAL (criada pelo Centro Hospitalar do São João) como suporte
da decisão clínica e instrumento de gestão no hospital.
Entretanto, diz-nos André Moreira, já foram submetidos artigos para o
segundo e terceiro número da PBJ. E, um dia quem sabe, será possível
chegar tão longe que será na PBJ que vamos ler sobre a cura para o
cancro? André Moreira não hesita um segundo na resposta: “É
perfeitamente possível que isso aconteça.” Se a PBJ não der certo, não
será por falta de ambição.»
Fonte: https://www.publico.pt/ciencia/noticia/pbj-um-dia-talvez-leia-aqui-a-cura-para-o-cancro-1730397
Comentário do Bloguista: A
Porto Biomedical Journal é uma revista online, bimensal, associada à
célebre editora científica Elsevier, aberta a todos os investigadores da
área da biomedicina, independentemente da sua origem. O único critério
para a publicação de artigos é a sua qualidade,
assegurada por um painel internacional de peritos de várias áreas.
Estão abertos a conteúdos de biomedicina, ou seja, da medicina à
bioengenharia, passando pela genética e outros.
Comentários
Enviar um comentário