«O resultado final deste trabalho é um complexo modelo matemático
incompreensível para o comum dos mortais. Porém, há uma teoria
subjacente que é fácil de perceber: a ideia é encontrar fórmulas que um
dia podem ser usadas na prática clínica que ajudem a minimizar o
problema mundial da resistência aos antibióticos. Uma das soluções
poderá passar por dar doses menos elevadas e durante menos tempo mas,
para isso, é preciso identificar as situações onde essa estratégia
consegue resolver o problema da infecção. O sistema imunitário do doente
pode ser uma chave determinante nesta equação. E aqui entra a
matemática.
O novo estudo, elaborado por Erida Gjini e Patrícia
Brito, ambas investigadoras do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em
Oeiras, foi publicado este mês na revista científica PLoS Computational
Biology e coloca em confronto o clássico tratamento de infecções com
recurso a antibiótico (que tem protocolos de duração e doses definidos)
com uma proposta de um modelo adaptativo à dinâmica da infecção,
evolução do agente patogénico e sistema imunitário do doente. E na base
deste modelo que reforça a aposta na medicina personalizada adaptando-se
à evolução da infecção e à resposta do doente está a matemática. O que,
sublinhe-se, não é inédito.
“Há vários grupos de investigadores a
trabalhar neste problema urgente, alguns que também estão a desenvolver
modelos matemáticos ou com outras abordagens. O importante é que seja
possível juntar especialistas de várias áreas para resolver esta questão
da resistência aos antibióticos, que é um dos principais problemas da
medicina moderna”, afirma Erica Gjini, em declarações ao PÚBLICO.
Mas afinal qual é grande preocupação? Dito de forma muito simples, o
problema é que o abuso de antibióticos está a fazer com que as bactérias
se tornem resistentes a estas poderosas armas terapêuticas. E, assim,
os agentes patogénicos podem vencer a guerra de uma infecção. No limite,
e se nada for feito, podemos estar a caminhar para um cenário onde uma
pequena infecção ou simples cirurgia seria fatal.
Aliás, num
relatório divulgado em 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
concluía que a disseminação de superbactérias que escapam até aos mais
poderosos antibióticos já não é uma previsão futura — está a acontecer
agora mesmo em todo o mundo. A resistência aos antibióticos pode
afectar qualquer pessoa, de qualquer idade, em qualquer país, referia o
relatório intitulado Resistência Antimicrobiana – Relatório Global sobre
Vigilância. “O mundo está a caminhar para uma era pós-antibióticos, em
que as infecções comuns e os pequenos ferimentos, tratáveis há décadas,
podem voltar a matar”, avisava Keiji Fukuda, subdirector para a área da
segurança na saúde da OMS.
Para já, os problemas mais
preocupantes estão a surgir em meio hospitalar com infecções causadas
por bactérias resistentes aos mais potentes antibióticos que existem. Em
Portugal, a Klebisella pneumoniae – uma bactéria que existe no nosso
aparelho digestivo e que pode causar pneumonia mas que é também
responsável por infecções hospitalares, em particular em doentes
imunologicamente deprimidos – tem sido notícia pelas vítimas que está a
fazer em hospitais portugueses. Os dados mais recentes relativos a 2014
indicam que as infecções hospitalares no país surgiram associadas a
cerca de 4500 mortes, um número quatro vezes superior ao das vítimas de
acidentes na estrada.
Escolher uma infecção
É urgente desenvolver novas armas para atacar estas infecções e restringir cada vez mais a prescrição dos antibióticos aos casos que verdadeiramente o justificam. Os antibióticos não são o mau da fita, precisamos deles. Mas é preciso tomar outras medidas para lidar agora com as resistências que estão a causar problemas. O modelo matemático apresentado pelas investigadoras do IGC ataca numa das possíveis frentes do problema considerando que, em casos de uma boa resposta do sistema imunitário de um doente, talvez possamos estar a usar antibióticos durante mais tempo e com doses mais elevadas do que o necessário.
É urgente desenvolver novas armas para atacar estas infecções e restringir cada vez mais a prescrição dos antibióticos aos casos que verdadeiramente o justificam. Os antibióticos não são o mau da fita, precisamos deles. Mas é preciso tomar outras medidas para lidar agora com as resistências que estão a causar problemas. O modelo matemático apresentado pelas investigadoras do IGC ataca numa das possíveis frentes do problema considerando que, em casos de uma boa resposta do sistema imunitário de um doente, talvez possamos estar a usar antibióticos durante mais tempo e com doses mais elevadas do que o necessário.
As novas fórmulas
matemáticas que são propostas incluíram os efeitos de tratamentos
agressivos, onde se usa a maior dose possível de antibiótico, e terapias
moderadas, que combinam tempo de administração adequado, dose reduzida
do fármaco e curta duração do tratamento. Na tentativa de minimizar o
problema de resistência a antibióticos sem comprometer a saúde dos
doentes, “as investigadoras utilizaram análises matemáticas e simulações
computacionais para comparar tratamentos com dose e duração fixas de
antibiótico, com tratamentos onde a dose e a duração acompanham os
sintomas do paciente”, refere um comunicado de imprensa do IGC.
“A imunidade do hospedeiro é um factor importante, embora seja muitas
vezes ignorada no processo de eliminação de infecções. Uma resposta
imunitária forte pode reduzir substancialmente a necessidade de realizar
tratamentos agressivos, nós só temos de descobrir como”, diz Erida
Gjini no mesmo comunicado. “No modelo, combinámos os processos que
resultam do tratamento com antibiótico. Por um lado, temos a acção do
antibiótico, por outro temos o desenvolvimento do agente patogénico e do
sistema imunitário do hospedeiro. Relacionando estes factores,
conseguimos ver qual o tratamento que resulta melhor e qual falha”,
acrescenta a investigadora ao PÚBLICO.
A taxa de crescimento do
agente patogénico e a dosagem de antibióticos serão alguns dos
parâmetros-chave no modelo matemático, que atribui um peso particular ao
sistema imunitário do hospedeiro. “Este modelo é um primeiro passo.
Temos um enquadramento conceptual, um modelo teórico que nos permite
perceber quantitativamente os princípios gerais envolvidos no controlo
de uma infecção. Mas precisamos de mais investigação e com especialistas
de várias áreas. Temos de ter a participação de imunologistas, perceber
junto dos clínicos a evolução dos doentes, fazer um acompanhamento
prolongado das situações”, reconhece Erida Gjini.
Patrícia Brito,
que também é investigadora na Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Nova de Lisboa, explica ainda que com este modelo e
“através da utilização de simulações também poderemos prever se algumas
reincidências são causadas por bactérias sensíveis que podem ser
tratadas com o mesmo antibiótico, e não por bactérias resistentes como é
geralmente assumido”.
Nesta fase não foi escolhida nenhuma
infecção em particular. “Esse será o próximo passo. Este primeiro estudo
dá-nos os princípios gerais mas temos de adaptar o modelo a infecções
específicas”, afirma Erida Gjini, que planeia estudar infecções agudas e
crónicas mas quer dedicar especial atenção às infecções causadas por
Staphylococcus aureus (uma bactéria encontrada na pele e nas fossas
nasais que pode provocar desde uma simples infecção até situações mais
graves como pneumonia, meningite e septicemia), que são muito difíceis
de tratar. “Queremos perceber qual é o papel do sistema imunitário nesta
infecção”, insiste. Na lista das resistências a antibióticos, uma das
situações mais preocupantes é a infecção pela bactéria MRSA
(Staphylococcus aureus resistente à meticilina).
Erida Gjini
reconhece que a viagem destes modelos para a prática clínica não será
imediata e que pode ainda demorar algum tempo a aperfeiçoar esta ou
outra fórmula. Porém, defende que “a optimização de tratamentos na era
da medicina personalizada irá necessitar cada vez mais de indicadores
quantificáveis da resposta do sistema imunitário do hospedeiro, da
patologia e dos processos de recuperação durante a infecção. As
abordagens matemáticas e computacionais, como a utilizada neste estudo,
serão fundamentais para integrar essas informações com a prática
clínica”. Ou, dito por outras palavras, a matemática pode ajudar a
travar as resistências aos antibióticos.»
Fonte: https://www.publico.pt/ciencia/noticia/a-matematica-pode-ajudar-a-travar-as-resistencias-aos-antibioticos-1730194?page=-1
Comentário do Bloguista: Aquela
que é considerada como o pesadelo para muitos jovens, a matemática,
pode de facto vir a salvar as suas vidas. O tempo chuvoso e frio que
ainda hoje se faz sentir é desde sempre visto como um período de
potencial risco para crianças e idosos, dadas as graves consequências que casos de pneumonia poderão trazer.
Os antibióticos apresentam funções imprescindíveis no controlo destas patologias bacterianas. No entanto, algo está a mudar: os microorganismos estão a criar resistência a essa medicação! Qual é a consequência dessa resistência? Os organismos conseguirão proliferar sem controlo, levando, na maioria dos casos, à morte do próprio paciente.
A problemática agrava-se ainda mais tendo em conta o perigo a nível de saúde pública a que os hospitais estão associados. É nestes centros que as bactérias encontram o seu ambiente ideal de proliferação, pelo que será bem provável que entre no hospital com uma patologia e saia com outra, ainda pior.
Como podemos contornar esta situação? Racionalizando a utilização dos antibióticos: não tomar sempre que considera adequado, mas assim que o médico lhe indicar que de facto necessita. Assim conseguiremos evitar a sobredosagem que permite o crescimento das estirpes resistentes. Por outro lado, será também importante definir a dose e o período de duração da toma da medicação: ao fazer-se um acompanhamento adequado da evolução da patologia conseguir-se-á adaptar, por sua vez, o próprio tratamento para que este seja o mais adequado para a situação presenciada. Para isso terá de se fazer um estudo específico para cada microorganismo, porque o seu crescimento e a resposta à dosagem será diferente de para os restantes.
Acima de tudo, compreende-se, com este estudo, a necessidade da personalização dos métodos de tratamento em função das reais necessidades de cada paciente, em vez da utilização de métodos padrão que apenas serão adequados para uma franja da sociedade.
Os antibióticos apresentam funções imprescindíveis no controlo destas patologias bacterianas. No entanto, algo está a mudar: os microorganismos estão a criar resistência a essa medicação! Qual é a consequência dessa resistência? Os organismos conseguirão proliferar sem controlo, levando, na maioria dos casos, à morte do próprio paciente.
A problemática agrava-se ainda mais tendo em conta o perigo a nível de saúde pública a que os hospitais estão associados. É nestes centros que as bactérias encontram o seu ambiente ideal de proliferação, pelo que será bem provável que entre no hospital com uma patologia e saia com outra, ainda pior.
Como podemos contornar esta situação? Racionalizando a utilização dos antibióticos: não tomar sempre que considera adequado, mas assim que o médico lhe indicar que de facto necessita. Assim conseguiremos evitar a sobredosagem que permite o crescimento das estirpes resistentes. Por outro lado, será também importante definir a dose e o período de duração da toma da medicação: ao fazer-se um acompanhamento adequado da evolução da patologia conseguir-se-á adaptar, por sua vez, o próprio tratamento para que este seja o mais adequado para a situação presenciada. Para isso terá de se fazer um estudo específico para cada microorganismo, porque o seu crescimento e a resposta à dosagem será diferente de para os restantes.
Acima de tudo, compreende-se, com este estudo, a necessidade da personalização dos métodos de tratamento em função das reais necessidades de cada paciente, em vez da utilização de métodos padrão que apenas serão adequados para uma franja da sociedade.
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