Estudo publicado na revista Nature Medicine conclui que a formação de novos neurónios cai de forma acentuada em pessoas com doença de Alzheimer mas não diminui tanto assim nos cérebros saudáveis
O trabalho publicado esta semana na revista
Nature Medicine mexe com um tema controverso que divide os neurocientistas.
Segundo este estudo, a formação de novos neurónios não pára no final da
adolescência mas é antes um processo que continua ao longo da vida,
confirmando-se ainda em idosos com mais de 90 anos. Esta conclusão surge num
estudo que decorreu em Espanha e que analisou amostras de tecidos cerebrais da
região do hipocampo para avaliar os danos provocados em pessoas com doença de
Alzheimer. Confirmada uma diminuição acentuada dos neurónios nos doentes,
perceberam também que nos cérebros saudáveis há efectivamente um declínio mas a
formação de novos neurónios continuava até idades avançadas.
“O hipocampo é uma das áreas mais afectadas na
doença de Alzheimer. Além disso, essa estrutura abriga um dos fenómenos mais
singulares do cérebro de mamíferos adultos, a saber: a soma de novos neurónios
ao longo da vida”, começa por referir o artigo assinado por cientistas de
institutos de investigação em Madrid, Espanha. Assim os autores não ignoram
anteriores referências ao processo de neurogénese no cérebro adulto, mais
precisamente na região do hipocampo, mas consideram que até agora as provas
sobre este fenómeno eram escassas.
Entre todos os argumentos, parece existir um
dado irrefutável: a maioria dos neurónios que existem no nosso cérebro está lá
desde que nascemos. Maria Llorens-Martin, do Departamento de Biologia Molecular
da Faculdade de Ciência da Universidade Autónoma de Madrid, coordenou a equipa
que procedeu à análise de amostras de tecidos de 58 participantes humanos, 13
indivíduos saudáveis entre os 43 e 87 anos e 45 doentes com Alzheimer e idades
entre os 52 e 97 anos. “Descobriram que, embora haja algum grau de declínio
associado à idade, a neurogénese adulta no hipocampo do cérebro humano pode ser
observada ao longo da vida. Os autores também descobriram que a neurogénese
adulta diminui acentuadamente durante a doença de Alzheimer”, refere o resumo
do trabalho.
Possivelmente por estarem conscientes que a
conclusão seria discutida por outros cientistas, os autores do artigo
antecipam-se e referem que as “discrepâncias entre os seus resultados e
pesquisas anteriores que não detectaram a neurogénese humana em adultos podem
resultar de diferenças nas metodologias usadas ou na qualidade das amostras de
tecido examinadas”.
“Determinar se os novos neurónios são
continuamente incorporados no gyrus dentado (GD) humano [uma região específica
do hipocampo] durante o envelhecimento fisiológico e patológico é uma questão
crucial com um excelente potencial terapêutico”, escrevem os autores no artigo.
Assim, “combinando amostras de cérebros humanos obtidas sob condições
rigorosamente controladas e métodos de processamento de tecidos de última
geração, identificamos milhares de neurónios imaturos no GD de sujeitos humanos
neurologicamente saudáveis até a nona década de vida”, constatam, acrescentando
que essas novas células “exibiram graus variáveis de maturação ao longo dos
estágios de diferenciação da neurogénese adulta humana”.
Em contraste, referem ainda, o número e a
maturação desses neurónios diminuíram progressivamente à medida que a doença de
Alzheimer avançava. “Estes resultados demonstram a persistência da neurogénese
adulta durante o envelhecimento fisiológico e patológico em humanos e fornecem
provas de neurogénese prejudicada como um mecanismo potencialmente relevante
subjacente aos défices de memória na doença de Alzheimer que podem servir para
novas estratégias terapêuticas”, concluem os autores no artigo.
O trabalho dos investigadores em Espanha
acabou por inspirar o editorial da edição desta semana da revista. Aqui, se
lembra que “para uma pequena dobra de tecido, o hipocampo tem uma influência
descomunal”. É esta região que armazena e recupera memórias, “capturando a
história de vida que nos faz quem somos”. E, sendo uma das áreas cerebrais mais
afectadas pela doença de Alzheimer, é também aqui que nestas pessoas acontece o
perturbador roubo de memórias.
Reconhecendo que a ideia da neurogénese adulta
tem sido muito discutida, o editorial lembra a dificuldade deste tipo de
estudos até porque “as amostras bem preservadas de tecido cerebral humano são
raras e as técnicas para identificar neurónios imaturos variam”. Um artigo
publicado na Nature no ano passado, notam, defendia que a neurogénese no
hipocampo não se verifica em humanos além da infância. O estudo agora divulgado
contradiz de forma brutal esta ideia. Não só se prolonga para além da infância
como chega até à década os 90 anos de idade. Recorde-se que o mais velho
cérebro analisado pelos investigadores onde viram provas deste processo de
formação de novos neurónios pertencia a um homem de 97 anos.
No tecido cerebral post-mortem de adultos
saudáveis, os cientistas relatam que viram neurónios recém-nascidos e um
modesto declínio na neurogénese com a idade. Nas amostras de pessoas com doença
de Alzheimer, registou-se uma queda mais acentuada e progressiva na
neurogénese. “Os resultados aguardam críticas e reacções de outros grupos de
investigação, mas, para já, levantam uma possibilidade tentadora de que parar
ou reverter esse declínio pode atrasar o desenvolvimento da doença de
Alzheimer”, lê-se no editorial da revista Nature Medicine.
Fonte:https://www.publico.pt/2019/03/26/ciencia/noticia/cerebro-gera-novos-neuronios-ate-90-anos-1866853
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