O mistério dura há décadas: por que é restringir drasticamente a ingestão de calorias aumenta a longevidade de uma série de animais, dos ratinhos aos cães?
Antes de mais, eis algumas peças do puzzle que estes autores conseguiram agora fazer encaixar. Primeiro, como fazem notar no seu artigo, uma das principais características do envelhecimento reside na diminuição da qualidade do “serviço de limpeza” interno das células. Tecnicamente designado “autofagia”, este mecanismo permite que as células vivas reciclem aqueles seus componentes que já não funcionam ou que deixaram de ter utilidade. E é fácil imaginar que, se as células não se conseguissem assim “autocanibalizar”, ficariam rapidamente “entupidas” pelo lixo que elas próprias produzem.
Mais: nos animais idosos, não só os níveis de autofagia celular, mas também os níveis de uma das principais substâncias presentes no hipotálamo – o neuropéptido Y – diminuem. Acrescente-se por fim outro facto conhecido: pelo menos em parte, a restrição calórica, tal como já referida, atrasa o envelhecimento, porque faz aumentar os níveis de autofagia.
Por isso, lê-se ainda no artigo, os cientistas decidiram testar a seguinte hipótese: que o neuropéptido Y “poderia ter um papel de relevo na modulação da autofagia no hipotálamo”. Uma hipótese que, a confirmar-se, permitiria ligar, via um mecanismo concreto, a restrição calórica drástica ao atraso no envelhecimento e ao aumento da longevidade. Foi o que aconteceu.
No seu estudo, os cientistas começaram por colher neurónios no hipotálamo de ratinhos e fazê-los crescer num meio de nutrientes que imitava as condições de uma dieta muito restrita em calorias, explica em comunicado a Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. E, como previsto, observaram que os níveis de autofagia nos neurónios aumentavam muito para além do normal nestas condições. Todavia, apenas aumentava se a acção do neuropéptido Y não tivesse sido (artificialmente) bloqueada. O efeito da restrição calórica no nível de autofagia celular parecia portanto depender do neuropéptido Y.
Numa segunda fase, os autores mostraram ainda que, em ratinhos mutantes que produzem níveis muito altos do neuropéptido Y no seu hipotálamo, o nível de autofagia aumentava. Tudo isto sugere fortemente que o efeito benéfico, em termos de envelhecimento e longevidade, da restrição calórica parece passar pelo aumento dos níveis do neuropéptido Y no hipotálamo.
“Este estudo, realizado durante cerca de três anos no CNC e que envolveu vários investigadores, mostra, pela primeira vez, que o neuropéptido Y no hipotálamo é um elemento fundamental para que ocorra um aumento da autofagia induzida pela restrição calórica”, diz Cláudia Cavadas em comunicado da Universidade de Coimbra.
No seu artigo, os cientistas especulam que “a modulação dos níveis hipotalámicos poderá ser considerada como uma potencial estratégia para produzir efeitos protectores contra as disfunções do tálamo associadas ao envelhecimento e para retardar o envelhecimento”. E, em particular, o envelhecimento do próprio cérebro, que leva a desenvolver doenças neurodegenerativas como a Alzheimer ou a Parkinson.
Contudo, ainda vai ser preciso testar se o mesmo mecanismo existe no cérebro humano. Há coisas que ainda não estão explicadas, como, por exemplo, a razão pela qual, nomeadamente em ratinhos selvagens, a restrição calórica não produz os mesmos efeitos que nos ratinhos de laboratório.
Seja como for, existem indícios que apontam para um mecanismo semelhante na nossa espécie. “Nos seres humanos, o aumento dos níveis do neuropéptido Y também poderá estar correlacionado com benefícios em termos de longevidade”, salientam os cientistas, “uma vez que as mulheres centenárias apresentam maiores níveis do neuropéptido Y no plasma [do sangue] do que as mulheres mais novas”.
Fonte: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/portugueses-explicam-como-a-restricao-calorica-podera-travar-envelhecimento-1690953
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