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Criada uma supermolécula que é mais forte do que a água

É composta por duas partes – uma argola e um haltere – que agarram facilmente dentro da água átomos como o cloro ou o iodo. Esta nova molécula foi construída com a participação de dois cientistas portugueses.
 





Antoine Lavoisier, o famoso químico francês do século XVIII, dizia que na natureza nada se perdia, nada se ganhava, tudo se transformava. Ou seja, a matéria não é dada a milagres mas pode ser alterada. Este é o terreno dos químicos, que mexem nos átomos e nas moléculas, jogando com as suas interacções para os mais variados fins. E foi neste terreno que uma equipa internacional com cientistas portugueses construiu uma molécula bastante complexa, que se liga facilmente, em meio aquoso, a átomos do grupo onde estão o flúor, o cloro, o bromo ou o iodo – algo que, geralmente, é muito difícil de fazer.

O desenvolvimento desta supermolécula, publicado na revista Nature Chemistry, pode ajudar a criar moléculas utilizadas para tratar doenças.

Nesta história microscópica, a água era a barreira invisível que impedia os químicos de trabalhar com o grupo dos halogéneos, de que fazem parte o flúor, o cloro, o bromo ou o iodo. No meio aquoso, os átomos do grupo dos halogéneos ficam rapidamente rodeados pelas moléculas de água (H2O), por isso é difícil serem agarrados por outras moléculas.

Se olharmos para a Tabela Periódica – que organiza de forma genial os elementos químicos, tendo em conta o número de protões e o número de eletrões de cada átomo –, verificamos que os átomos halogéneos estão reunidos na penúltima coluna (vertical) da tabela. Cada átomo tem um dado número de protões e neutrões no núcleo, e tem ainda os eletrões (em igual número dos protões) a girar à volta do núcleo atómico. Por exemplo, o iodo, que fica mais em baixo na coluna dos halogéneos do que o cloro, tem muito mais protões e eletrões do que o cloro.

Os eletrões vão-se dispondo à volta do núcleo dos átomos por camadas, mais exatamente níveis de energia. Mas a estabilidade de cada átomo (independentemente de ser ou não um halogéneo) depende do número de eletrões na camada mais externa. Se faltarem eletrões nessa camada, o átomo tenta estabilizar a nuvem eletrónica, ligando-se a outros átomos e formando moléculas.

No caso dos átomos dos halogéneos, falta-lhes um único eletrão na camada externa para ficarem estáveis. Por isso, têm grande tendência para roubar um eletrão a outro átomo. Por exemplo, o cloro passa a ião cloreto quando ganha esse eletrão (os iões são átomos que ganham ou perdem eletrões). É também por isso que os halogéneos são conhecidos por se ligarem a metais, produzindo sais. O sal da cozinha, o famoso cloreto de sódio, surge quando um átomo do cloro rouba um eletrão ao sódio e assim os dois átomos ligam-se.

Tal como o cloreto, há outros átomos e moléculas que ficam mais estáveis ao ganharem eletrões, tornando-se então iões de carga negativa, ou aniões (os eletrões dão cargas negativas aos átomos, enquanto os protões lhes dão cargas positivas).

A molécula de água é uma fonte de eletrões para todos os aniões. No caso dos halogéneos, a água liga-se a eles, dificultando assim o acesso de outras moléculas a esse grupo de átomos. É por isso que os químicos têm dificuldade em manipular os halogéneos no meio aquoso, assim como outros aniões.

Mas, nalgumas situações, seria importante conseguir usar certos halogéneos para melhorar a saúde humana, como no caso da fibrose quística. Nesta doença, provocada por mutações genéticas, há precisamente um problema com o transporte dos iões de cloro de dentro para fora das células, o que compromete a lubrificação dos pulmões, desencadeia infeções e reduz a esperança de vida das pessoas com esta doença.

Mas as equipas de Vítor Félix, da Universidade de Aveiro, e de Paul D. Beer, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, conseguiram não só criar uma molécula capaz de roubar os átomos halogéneos da água como mostrar em modelos computacionais o que está a acontecer: a nova molécula obriga os átomos de halogéneo a unirem-se a ela, vencendo as ligações das moléculas de água. A nova molécula prova que é possível manipular em meio aquoso não só os átomos de halogéneo, mas também outros aniões.
 

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